segunda-feira, 27 de agosto de 2018

«levantar-se da mesa a cair»

«Fernando Pessoa apareceu duas noites depois, regressava Ricardo Reis do seu jantar, sopa, um prato de peixe, pão, fruta, café, sobre a mesa dois copos, o último sabor que leva na boca, como ficámos cientes, é o do vinho, mas deste freguês não há um só criado que possa afirmar, Bebia de mais, levantava-se da mesa a cair, repare-se na curiosa expressão, levantar-se da mesa a cair, por isso é fascinante a linguagem, parece uma insuperável contradição, ninguém, ao mesmo tempo, se levanta e cai, e contudo temo-lo visto abundantes vezes, ou experimentado com o nosso próprio corpo, mas de Ricardo Reis não há testemunhas na história da embriaguez. Sempre tem estado lúcido quando lhe aparece Fernando Pessoa, […]

José Saramago, O ano da morte…, Porto Editora, 23.ª ed., p. 321