quinta-feira, 5 de setembro de 2024

«Cardume», Inês Lourenço

 - nos poemas da 2.ª parte («Os caules submersos», pp. 27 - 52) do último livro de I. L. são evocados vários poetas - listados na p. 76

CARDUME

As tuas varinas descalças
todas de negro nas descargas de carvão
já não são noivas que ficaram por casar, mas sim
as mães que embalam futuros náufragos
nas canastras, já não os heróis das Descobertas
mas sim os destinados às tormentas
da faina piscatória. Hoje
abjuramos dos usos carboníferos, que o Tempo
tudo esmorece. E nunca vamos 
abjurar do mar que foi há séculos
a nossa Terra Prometida, na fuga possível
à condição hispânica. Mar que ameaça 
no futuro inundar as cidades litorais
se continuar o degelo árctico. Anoitecemos
contigo, Cesário, na nostalgia
desta fronteira incerta de Ocidente.
  
                         Inês Lourenço, Ainda o lugar incerto da procura, 2024, p. 37

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

«Virar o Ananás» (M. E. C.)

 - RECORTE(s) da (assertiva?) Crónica de hoje:

[...] agora é moda ir para o engate para os supermercados espanhóis, sinalizando a disponibilidade através de um ananás virado ao contrário, transportado no carrinho como se fosse um pequeno príncipe tropical a fazer o pino. [...]
No mesmo dia, ouvi dizer de alguém que começa a fartar-se do marido, que está à beira de virar o ananás.
[...]
"Virar o ananás" entra assim na língua portuguesa: significa estar farto, mas também significa fazer alguma coisa para alterar a situação.
Para virar o ananás, é preciso uma pessoa levantar-se e decidir que vai reembarcar no carrossel, abrilhantando o aspecto e renovando o vocabulário. [...]
Virar o ananás é regressar à fisicalidade, ao momento, à exposição, ao risco de se ser envergonhado. É voltar aos carrinhos de choque.