« Terça, oito
- Não gosto de gramática, grita o Esquilo com raiva. Quero que as pessoas dos verbos morram todas.
Como matar as pessoas dos verbos? interrogo-me, surpresa, porque nunca me tinha ocorrido essa ideia. Ou como neutralizá-las, pelo menos?
Vós pode sempre transformar-se em voz - experimento - podem atar-se todos os nós num único nó, ou transformar-se em noz e comer-se, e a eles dir-se-á que se concorda com elas e a elas que se concorda com eles e deixam-se a discutir a concordância da frase até ao Juízo Final, o tu é o mais resistente, o único que talvez faça falta [...]
[...] o eu é de todos o mais instável, quando se chega perto não está lá, transformou-se num leque onde todos os outros se alternam, e se abre e fecha, com os dedos da mão, o eu não existe em si mesmo, [...]
"Notas Para Uma Gramática Alternativa", anoto ainda mentalmente e passo adiante, porque agora não tenho tempo de pensar no assunto.»
Teolinda Gersão, Os guarda-chuvas cintilantes - Cadernos I - diário, [1.ª ed: 1984], 3.ª ed, Sextante, 2014, p. 75 [truncado]