«Fernando
Pessoa apareceu duas noites depois, regressava Ricardo Reis do seu jantar,
sopa, um prato de peixe, pão, fruta, café, sobre a mesa dois copos, o último sabor que leva na boca, como ficámos cientes,
é o do vinho, mas deste freguês não há um só criado que possa afirmar, Bebia de
mais, levantava-se da mesa a cair,
repare-se na curiosa expressão, levantar-se
da mesa a cair, por isso é fascinante a linguagem, parece uma insuperável
contradição, ninguém, ao mesmo tempo, se levanta e cai, e contudo temo-lo visto
abundantes vezes, ou experimentado com o nosso próprio corpo, mas de Ricardo
Reis não há testemunhas na história da embriaguez. Sempre tem estado lúcido
quando lhe aparece Fernando Pessoa, […]
José Saramago, O ano da morte…,
Porto Editora, 23.ª ed., p. 321