RECORTE (a seguir ao anterior):
[..] Em criança, quando me esforçava por me exprimir numa linguagem pura, tinha a impressão de me lançar no vazio.
Um dos meus terrores imaginários, ter um pai professor que me obrigasse a falar bem permanentemente, realçando as palavras. Falávamos com a boca toda.
Como a professora me «repreendia», mais tarde eu quis repreender o meu pai, dizer-lhe que «deslargar» ou «há anos atrás» não existiam. Entrou numa cólera violenta. Noutra ocasião: «Como quer que eu não seja repreendida, se fala sempre mal!» Eu chorava. Ele ficava infeliz. Tudo o que se refere à linguagem é, na minha recordação, motivo de rancor e de troça dolorosa [...]
Annie Ernaux, Um lugar ao sol seguido de Uma mulher, 2022, p. 46