sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Gramática [(a Inutilidade do) fruto da] - Nuno Júdice

A INUTILIDADE DA GRAMÁTICA

Tocando o fruto da gramática como se
caísse de maduro, fazia com que a casca
de verbos se descolasse da polpa e via
cair o sumo do pronome sobre o sujeito
da frase que, para ele, tinha o corpo
da amada. Seguira aquele modelo segundo
o qual no princípio era o verbo; mas
o sujeito sobrepunha-se ao verbo, e via
o seu rosto, que a luz da manhã
enchia de cor, sorrir-lhe, como se
aquela sequência de palavras tivesse
outra vida para além da página. Mas
a árvore secara; e quando foi à procura
da raiz no campo estéril da sua memória,
nenhum pronome tinha corpo, e o verbo
que o animara reduzia-se a uma forma
inactiva nos seus dedos manchados de tinta

Nuno Júdice, O fruto da gramática, D. Quixote, 2014 (setembro), p. 26