quinta-feira, 18 de abril de 2024

«Dicionários, precisa-se» + «sonhar, verbo intransitivo»

 - apelo de M. E. C. na Crónica de hoje - «Uma Ideia Peregrina» - «Os escritores dão pouca despesa» [...]

RECORTE(S):

[...]
Só muito poucas pessoas têm a sorte de ter em casa o Moraes, o Caldas Aulete e o Artur Bivar, só para falar dos três que são mais úteis para quem escreve. São também cada vez mais difíceis de encontrar.
Seria uma bela ideia montar um site onde qualquer pessoa pudesse consultar estes e outros dicionários, como os dois de José Pedro Machado (o Grande e o Etimológico), o Cândido Figueiredo e outros dicionários mais ou menos excêntricos, mas fecundos, que só se encontram em alfarrabistas.
[...]
- e, no poema de hoje de «Revolução já! Poesia Pública», «sonhar, verbo intransitivo», de Francisca Camelo, a Epígrafe, do «acessível» Priberam:

1. Ter um sonho ou sonhos.
2. Fantasiar; devanear.
3. Ter ideia fixa.
4. Cuidar em.
5. Pensar com insistência em.
"sonhar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

-1.ª estrofe:
1.

pedem-me que escreva poemas
sobre revolução
mas hoje acordei triste e
não se fazem revoluções
sem alegria. [...]


sexta-feira, 12 de abril de 2024

«Não digas que vais daqui», M. E. C.

 - crónica de hoje; RECORTE(s):

Foi a nossa amiga Sandra que reparou logo, mal leu a crónica de ontem sobre o "e já vais com sorte", que faltava uma expressão ainda mais portuguesa: o "não digas que vais daqui".
É uma expressão magnífica por ser manca. A cabeça estrangeira, ou desabituada do popular, pergunta logo: "Não digas que vais daqui... com quê... ou semquê?" A elipse é tão grávida que promete trigémeos. Mas a elipse só existe se quisermos.[...] 
A versão comprida, que seria muito mais chata, é: "Acabei de te dar uma coisa que toda a gente quer. Por amor de Deus, não digas a ninguém que fui eu que te dei! Porque senão tenho aí a populaça toda a bater à minha porta, de boca espumante e dedinho tremelicante, a ver se também têm direito a esta voluptuosa benesse" [...]

segunda-feira, 25 de março de 2024

«Tu, o mais abstracto dos pronomes,»; Júdice, Nuno

 EXERCÍCIO DE GRAMÁTICA

Tu, que 
os ventos percorrem
com os lábios
do horizonte,
e uma nuvem estranha cobre
com o lençol amargo 
da madrugada: dá-me
as tuas mãos, agora
que o teu nome se 
demora nos ouvidos da terra;
ou corre por esse rio
subterrâneo que desagua
no fundo
dos espelhos, de onde
nenhuma voz te chama.

Tu, o mais 
abstracto dos pronomes,
vestida com o fogo surdo
da última vogal, como
se uma sombra de silêncios
dançasse por entre
murmúrios e memórias; não
partas com o nascer do dia,
o sonho vago de um desejo,
ou a luz efémera com 
que te olhei.

Fica na tinta dos meus dedos,
resto de um verso, segredo
sem rosto; ou leva-me contigo,
limpo de reflexos e pronomes,
enquanto um rumor de fonte
me ensina a encontrar-te.

Nuno Júdice, O movimento do mundo (1996); transcrito de 50 anos de Poesia - Antologia pessoal, 2022, pp. 82-83

sexta-feira, 22 de março de 2024

Honwana e Ondjaki (60 anos de «cães tinhosos» + «Mãos de pretos»)

- 86-87 a 92, Nova; lembra-se D. de os colegas MOÇ.os comentarem a inclusão da obra de Honwana nos progr.as escolares...; mas não vai agora «inventar pormenores de Memória»...;

- vários artigos, no Ípsilon, sobre «Nós matámos o cão tinhoso»: AQUI; AQUI; ENTREv. a Ondjaki

- muitas vezes, nos Qd.os, propôs sobretudo «As mãos dos pretos» - RECORTE:

[...] O Senhor Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as coca-colas das cantinas já tenham sido todas vendidas, disse que tudo o que me tinham contado era aldrabice. Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era. Depois de eu lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:
 “Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria, São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham morrido e ido para o céu, fizeram uma reunião e decidiram fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram-no em moldes usados e para cozer o barro das criaturas levaram-nas para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum, ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu agora queres saber porque é que as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro deles cozia?!”.
     Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos.[...]

sábado, 16 de março de 2024

«Roubado a Cesário» - Parrado, Luís Filipe

ROUBADO A CESÁRIO

Mais tarde, pela fresca, fomos todos

roubar ameixas. Em algum momento,

nunca se soube qual,

de tão carregado que estava

um dos troncos cedeu ao peso dos frutos

e tombou por terra. Julguei que esse tinha sido

o ponto alto do dia, com os cestos

a abarrotar, cheios até cima,

mas tu enrolaste o cabelo num novelo

e prendeste-o com um lápis no topo da cabeça,

aparentemente sem te dares conta do que fazias.

Como um rasgão, em surdina,

eu vi a curva perfeita do teu pescoço.

 Luís Filipe Parrado, Museu da angústia natural, 2023, p. 10

terça-feira, 12 de março de 2024

«Os Lusíadas» - 1.ª Edição

 - antiquíssima questão - agora (quase) solucionada pela «teoria de uma Contrafacção posterior? - artigo do Ípsilon:

Um editor do século XVI que fez uma impressão-pirata d’Os Lusíadas
No ano em que começam a comemorar-se os 500 anos do nascimento de Luís de Camões, que não se sabe ao certo quando nasceu, e no dia em que se assinala mais um aniversário da data de publicação d’Os Lusíadas (também ela, na verdade, ignorada), há pelo menos um enigma secular que pode mesmo ter sido resolvido: novos dados parecem indicar de forma concludente que a primeira edição da épica camoniana, saída dos prelos de António Gonçalves em 1572, em Lisboa, foi mesmo objecto de uma contrafacção, produzida poucos anos depois, quando o poeta já tinha morrido. [...]

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

«E agora, José?»

 - «diálogos intertextuais» com o poema de Drummond são inúmeros - realce-se o de Cardoso Pires; no DOC de 98, cerca do min. 30,  AQUI, ou «na página digital» - registe-se outro: 

RECORTE(s):

    E agora, José? Perturba-me, é um desconforto, ver-me ali no que foi a torrezinha feliz da minha juventude e já não é mais que o banal quarto de hotel que um qualquer pode alugar.
    Pouco a pouco deixo-me tomar pela melancolia que vem da perda irremediável das pessoas, dos lugares, das horas de alegria. E agora, José? Repito a pergunta, feita mil vezes desde o dia em que nos verdes anos tinha lido o poema de Drummond de Andrade e ele se me afigurara desesperado, inutilmente triste. «E agora, José? 7 A festa acabou, / a luz apagou, / o povo sumiu... sem cavalo preto / que fuja a galope, / você marcha, José! / José, para onde?»

                                        J. Rentes de  Carvalho, La coca (2011), 2023, p. 197