quarta-feira, 17 de abril de 2019

«Caderno de Significados»

- também D. se lembra desses «dicionários de Bolso em Construção», do tamanho, da textura e cor «amarelada» das folhas, já com risco vermelho impresso...
- a crónica de M. do Rosário Pedreira («Língua Madrasta») traça o paralelo com a Língua Escolar «atual» - de  30 de Março, no «DN DIG»

segunda-feira, 15 de abril de 2019

«conjugar o Gerundivo» + «olhos na ortografia»

[Cartola] Confiou o pedido da nacionalidade portuguesa a Barbosa da Cunha passando-lhe para a mão uma pasta com papelada que não voltou a ver. Pelo menos uma vez por ano, assegurava a Aquiles que os documentos estavam para sair. «Vai sair, menino Aquiles, agora, se me faz esse favor, olhos na ortografia que sem ortografia isso não anda para a frente!», dizia sem olhar para o filho, como quem, apesar do tom de gozo, falasse de um parente afastado. Não contava a ninguém que não sabia em que pé estava o processo, de que o obstetra pouco ou nada falava. Vivia com medo da polícia, de uma rusga. Planeava fazer-se de morto caso o abordassem. Parecia pensar que algum dia lhe bateriam à porta e lhe diriam que estava tudo tratado, que era enfim português, direito que julgava pertencer-lhe. Não sabia ele conjugar o gerundivo e a origem etimológica da palavra «Tejo»? Não achava, inspeccionando-se ao espelho, que não se geravam a norte do Alentejo, «e muito menos em África», maçãs-de-adão como a de Aníbal Cavaco Silva? […] Não escolhera já o seu talhão no Cemitério dos Prazeres, para onde se esquivava a entoar cânticos fúnebres em kikongo enquanto admirava os jazigos de família? Não se arrepiava ao ouvir o hino de Portugal e sabia de cor a primeira estrofe dos Lusíadas? […]

Djaimilia Pereira de Almeida, Luanda, Lisboa, Paraíso, 2018, Companhia das Letras, pp. 88-89