sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Significado e Sentido(s) - Carlos Reis, sobre Saramago

Recortes (truncados) de Ensaio do Professor Carlos Reis:
[sublinhados acrescentados]
[...] Insisto: em vários momentos da sua produção narrativa, os romances de José Saramago vão construindo uma dispersa teoria da linguagem, da literatura e do relato, [...]. Essa teoria fragmentária envolve categorias muito variadas e às vezes complexas, de certa forma testadas na cena discursiva da ficção. Atente-se num comentário do narrador, logo depois de um diálogo entre duas personagens de Todos os Nomes: “Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é direto, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projetar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições”. A citação é longa [...]  mas necessária, para o que agora interessa: sublinhar a relevância de uma indagação acerca do potencial de explosão semântica das palavras, disseminando sentidos que vão além dos seus significados mais triviais e (diz o narrador) fechados sobre si mesmos. À literatura, ao romance, à ficção, à poesia e ao teatro saramaguianos não são os significados unívocos das palavras que interessam, a não ser como elementos comunicativos primordiais que a leitura e a interpretação tratam de dilatar. Proposta por quem desenha e aciona aquela estrela que “se põe a projetar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições”, a palavra (a literatura, podemos entender) de sentido plural é aquela que verdadeiramente faz sentido – porque faz sentidos.  

Carlos Reis, «José Saramago - A literatura como necessidade», JL (número especial), 8 de Outubro de 2018, pp. 10-11